sábado, 17 de dezembro de 2011

Nova Poesía Galega: Nova Espiritualidade Lírica.




Por : Artur Alonso

“As novas concepções da física tem gerado uma profunda mudança em nossas visões de mundo; da visão de mundo mecanicista de Descartes e Newton para uma visão holística, ecológica. A exploração dos mundos atômicos e subatômicos colocou-nos em contato com uma realidade estranha e inesperada. Em seus esforços para apreender essa nova realidade, os cientistas ficaram dolorosamente conscientes de que suas concepções básicas, sua linguagem e todo o seu modo de pensar eram inadequados para descrever os fenômenos atômicos. Seus problemas não eram meramente intelectuais, mas alcançavam as proporções de uma intensa crise emocional e, poder-se-ia dizer, até mesmo existencial. Eles precisaram de um longo tempo para superar essa crise, mas, no fim, foram recompensados por profundas introvisões sobre a natureza da matéria e de sua relação com a mente humana”
(De “Ecologia profunda: Um novo paradigma de Fritjof Capra)

Superada a visão antropocêntrica, estamos entrado nesta mudança de Era que com leva o milênio, também na ultrapassagem da visão materialista, ate uma nova visão holística em que ciência e espiritualidade estão da dar-se a mão, sobretudo a raiz das novas achegas e descobertas realizadas pela física quântica e a exploração da realidade sub-atômica. Isto significa que as novas mudanças no campo cientifico trazem como conseqüências, a longa, mudanças no paradigma social.

No campo literário na Galiza estas mudanças estão muito presentes nas novas vocês, do que eu chamaria de novo movimento espiritualista. O gênero que mais em destaque esta a oferecer esta nova visão é o campo poético vanguardista, liderado pela nova geração de poetas reintegracionistas, comprometidos com sua realidade social, sua língua, sua cultura autóctone, mas também com a realidade Européia, mundial e ecológica global, de interação do um sobre o todo e o todo sobre o um.

Nomes em Destaque como Concha Rousia, Iolanda Aldrei, José Manuel Barbosa, Irene Veiga, Belém de Andrade, Belém Grandal, entre outros estão modificando o campo da visão literária e acrescentando uma óptica e fresca sensação de renovação a toda a literatura galega. São sem duvida a vanguarda da nova literatura galega.

Concha Rousia da voz ao elemento terra, que fala a através dos seus poemas reclamando seu direito a seguir sendo uma voz identificada, com sua milenar cultura. Assim em poemas como “A minha primeira nau” o elemento inicial água surge como primeira essência humana, e interage holisticamente em sua relação com o resto de elementos que, juntos formam, um único elemento universal. Assim o expressa em estes versos do poema:

“a minha velha nau nasceu comigo a vida
saiu do próprio mar do ventre materno...
...hoje a minha nau encalhou e não posso abandoná-la
assim a sua sorte, a que salitre e água a consumam
eu sou fiel a tudo o que é meu, ate ao que não é meu sou fiel...

... hoje é hora de parar todas as viagens
as feitas
as por fazer
hora de esquecer que as viagens existem

...Sei que adiante de mim aguarda meu destino
mas hoje quero é ficar na eternidade do momento”

Nesta última frase eternidade do momento, Concha Rousia, faz-se consciente de que o presente, também esta composto de passado e futuro, dado o presente vir condicionado pelo passado e condicionar o futuro... E que ao igual que uma célula contem toda a informação do corpo, o que facilita as técnicas de clonagem, também o momento presente contem a eternidade universal, dentro de si...

José Manuel Barbosa, também deixa transcrever essa nova visão holística, em poemas tão emotivos como “Ama-me”, versos simples e claros, que não podem ser interpretados a luz de outros velhos paradigmas

“Filha do céu
molhada polo sol.
Mirar fundo
de fundo mar
e doce brisa...

...ama-me fortemente,
como ama o céu uma estrelinha
perdida e solitária
numa noite sem pecado"

a noite sem pecado, abrange o espaço infinito, de onde tudo surge e aonde tudo volta, quando cessa sua existência... e o território imaculado, o campo unificado, o universal.

Irene Veiga lembra no conto “O mundo é para as meninas”, como a rede universal e as ligações que ela implica, marcam definitivamente os seres, como quando duas partículas ficam de algum modo ligadas não perdem essa ligação, a pesares da sua distancia no espaço e tempo. As mulheres do conto se reencontram, e o relato explica assim seus laços: ... “Beijaram-se demoradamente, sem prudência e sem reparos. Já eram mulheres para isso. Beijaram-se mais, soltaram-se e volveram a enredar-se, mimavam-se com descaro. Sabiam-se testemunhas do tempo e não ser uma linha reta...”

Testemunhas do tempo, que não interagem, na visão antiga e lineal... Senão numa nova visão ampla, de espaço e tempo... aberta todas as possibilidades.

Estes três exemplos de hoje, são uma amostra dessa nova literatura galega, que foge do velho paradigma convencional onde, como afirma Amit Goswani, no prefacio, do
seu brilhante livro “Física da Alma”, o conceito matéria é o tijolo de todas as cousas... E se encaminham a um novo paradigma mais abrangente, onde vida, mente é consciência já não são meros fenômenos secundários da matéria... senão partes de um único todo interagindo dentro desse todo...

Reconhecemos, pois nestas novas vozes uma nova forma de estar no mundo e de achegar a literatura galega os novos conceitos dum novo paradigma social, que está a nascer desde novos paradigmas e visões cientificas, que vão mudar, ao longo deste milênio nossa consciência e percepção da realidade.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Concha é nome de guerra



Dedicada a  Concha Rousia 


Para ti não há música nem dança


apenas as artes marciais

guerrilheira de montes e vales

urdidora de emboscadas

sob a copa das amplas árvores

brandes teu gládio de palavras suaves

não usas as falas do inimigo

vingas a dor de seres galega.


A montanha que herdaste sozinha

prenhada de mar na ilha dos nossos

o povo desaparecido da Rousia aldeia

esse recanto insuspeito ao virar da raia

onde fui a férias em 2005 sem te saber

eu que nasci galego do sul

sendo galego de Cela-Nova

apartado de meus irmãos e irmãs

séculos de história ao desbarato

distavam mares que nunca navegámos

montes que nunca escalámos

estrelas que jamais enxergámos

até um dia em que surgiste

vestias azul e branco orlada a ouro

estandarte do nosso reino

ciciavas liberdades por atingir

sonhos por realizar 

brandias a tua utopia 

numa mesma lusofonia.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Clássicos da Galiza e o Arquivo Digital AGLP


O vindouro 16 de dezembro, sexta feira, terá lugar em Lugo o primeiro dos atos de divulgação do trabalho da AGLP que a Pró vai iniciar. Esta campanha irá apresentando os Clássicos da Galiza e o Arquivo Digital em diversas cidades e vilas galegas. Além da apresentação dos Clássicos e do AD, a ideia é fazer visível a existência e o trabalho da Academia na sociedade galega.

O primeiro ato em Lugo terá lugar no Centro Social Mádia Leva!, na rua Manuel Amor Meilám, nº 18 (Rés-do-chão) às 20:30 horas.

Fernando Corredoira e Ramom Reimunde apresentarão os novos números lançados da coleção CLÁSSICOS DA GALIZA, editados por Edições da Galiza em parceria com a Academia Galega da Língua Portuguesa. Os Clássicos da Galiza é uma reedição dos grandes autores galegos adaptados ao Acordo Ortográfico de 1990 com notas e glossários que enriquecem o texto literário.

Vítor Lourenço apresentará o recentemente criado ARQUIVO DIGITAL da AGLP, um inovador repositório de materiais digitalizados acerca da língua e cultura galega. O Arquivo Digital contém materiais de texto, áudio, vídeo e imagem, disponibilizados sob licença Creative Commons, permitindo-se assim o seu livre acesso, utilização, distribuição e cópia, amais dum rápido e eficiente sistema de procuras, catalogação e acesso.

Evento no facebook: http://www.facebook.com/events/302540703113547/

sábado, 26 de novembro de 2011

A derradeira leia


Por Mabel Pérez Rivas.
25 de Novembro: Dia Internacional Contra a Violência de Gênero.

Acabou-se. Ja não se ouve nada. Remitiu o barulho. O cão ja não ladra. Ouveia, e o cativo chora. Agora só um murmúrio afastado de vozes e bágoas surdas. Sinto escorregar algo quente pela gorja, mas estou em paz. Tranquila.
Qué estranho! A minha mãe chora silenciosamente e eu olho para ela. O meu pai turra dela.
Sinto frio. Invade-me o frio. E as palavras resoam:
- Puta! Zorra!”- e agora vem: -Desculpa. Sinto muito. Quero-te tanto! Amo-te!. É que tiras o pior de mim... Amo-te! Não posso viver sem ti, nena! “
E é certo. Tiro o pior dele. Não che sou boa!. Se estivesse calada.... Porque tenho que incomodá-lo? Ja sei como é. Estou melhor calada, olhando de cara a outro lado. A mim que é o que me importa o que faça, nem a hora à que chegue?! Mantém-me, ainda que eu também trabalho e tenta fazer-me feliz, que mais quero?! Quere-me e pede-me desculpas a sério, chorando, ainda que às vezes não parece, mas, claro, tiro o pior dele. Fica irritado pela minha boca. Quando eu era cativa a minha tía-avó ja mo dizia:
-Com o carácter que tens o homem que te leve vai-te malhar a pancadas-.
Que razão tinha!. Se calhar sou-che eu que não sou boa. Que o mereço. Que não estou atenta. Porque faço uma comida com pouco sal se sei que ele não gosta? E as lulas estavam  frias, claro. Por que não as teria quentado no forno de microondas?!. Vem canso de trabalhar para mim e o cativo... Devo aguardar a que chegue, a qualquer hora e ter-lhe a comida quente e atendê-lo como Deus manda!. Ja mo diz a minha mãe: 
- Os homens há que atendê-los. Tens que ser uma mulher da tua casa e ter-lhe tudo arranjado, a roupa repassada, passar o ferro, a comida na mesa, um sorriso no rosto e sempre disposta, porque é o teu homem-

Hoje eu não sorri. Porque estou farta!  
Ja não sinto o seu alento quente, sujo, bêbado e intransigente. Ja não o aturo!
Ja não o ouço.
Ja não sinto essas mãos noxentas acarinhando o meu corpo quando ele quer, como ele quer, onde ele quer. Essas mãos que tanto te acarinham quanto te golpeiam e te malham, e te beijam, alouminhando o teu desejo apagado, perdido, aos poucos anos de tê-lo conhecido.
Faço-me a dormida mas ele faz-me acordar. Hoje há leia! Ja o ouço farfulhando em voz alta na cozinha. Despertou o neno. Temos “festa”. Tremo. E depois, o sexo, o nojento sexo. Hei de fingir mais uma vez e há de parecer que gosto dele, que o desejo, enquanto penso no tempo que vai durar tudo. E não se há de dar de conta?. Isso apreendi a fazê-lo com certeza.
Mas não. Hoje não. Hoje digo-lho. Não quero! Não te quero! Não te soporto! Vai-te!
Alguém me toca. Estou estranha! Aglutinam-se-me os pensamentos na cabeça. Não vejo. Estou às apalpadelas mergulhada nos meus pensamentos. Não sei se foi, se é, se o disse. Sinto-me estranha. Estarei a dormir?. Mais ouço o neno que chora e ao cão que ouveia. Quero erguer-me.
Onde estou? Eu não o ouço, não ouço os seus berridos. Eu estou vencida pela calor... e de repente, o frio. Um frio infernal, escondido, calmo e duro.
-         Déixo-te
-         A mim não me deixa nenhuma puta. Zorra! Filha de.... Tiro-che o neno!
-         Não posso mais, a ver se é que o percebes. Quero viver!
-         Nada te chega, zorrão! Que mais é que queres de mim? Putão! Vivo para ti e tu não fazes nada. És uma merda! Não és nada! Aonde vas ir tu, saca de merda? Viver? Viver de que? Se não serves para nada.Quem te está influenciando? As tuas amiguinhas, não é? Aguarda a que eu as apanhe... Ou é que tens outro?. Tens outro, não é? É isso, com quem te estás a deitar? Zorrão! Mato-vos aos dous!!!!!
E as labaçadas caem, como a chuva no inverno, abruptas, duras, incessantes...
Mas ja não o ouço, tudo está em silêncio, ja não choro, ja não grita. Um frio de aço penetra no meu corpo...
De longe, alguém tem ligada a televisão. Estão com o telejornal e escuto:
- Gisela Neira, vítima 501 da violência de género, a violência machista quebrou hoje a paz (...), o mal do novo milénio...
Mas essa não sou eu. Sei-que não, porque hoje tomei uma decissão. Ser livre. Deixá-lo. Viver...  
Vejo uma luz. Estou acordando. Sinto dor. Ja não escorrega a agua quente pelo meu corpo. Ja não tenho frio. Sinto-me estranha, escuto atentamente, os meus sentidos estão vigiantes, o cativo ja não chora, e penso, logo...
Hoje tomei uma decissão, sabia, a decissão de que hoje sera o primeiro dia da minha vida, e,  por fim, hoje,  sou livre!


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O Ganhador do Concurso Literário: José Manuel Nunes Vilar.

Nome completo do autor: JOSÉ MANUEL NUNES VILAR
Pseudónimo do autor: A SOMBRA DO CARVALHO EM TERRAS DO ALTO MINHO
Título da obra:
 UMA HISTÓRIA IMPOSSÍVEL DE ACREDITAR




José Manuel Nunes Vilar nasceu na localidade paramesa de Agreimunde em 1985. Cursou estudos de primária no C.P.I. Ramom Pinheiro da Póvoa do Sam Julião e de secundária no I.ES. As Mercedes de Lugo, onde por vez primeira ganhou certamens literários em várias categorias. Atualmente está a concluir o curso de Humanidades pela Universidade de Santiago de Compostela e de língua portuguesa pela Escola Oficial de Idiomas da cidade amuralhada. É membro das associações culturais luguesas Cultura do País e Mádia Leva, sócio da Associação Galega da Língua, da Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa e da Liga Céltiga Galaica.

Ocasionalmente participa de diferentes revistas literárias e de jornais entre os que destaca o Novas da Galiza. Também tem presença em espaços webs como Contos Grotescos, o Recanto das Letras ou o Portal Galego da Língua. Em 2009 lançou ao prelo a sua edício prínceps, uma coleção de contos tirados da terra baixo título deUm País oculto pelas silveiras, e hoje espera a publicação da sua segunda grande obra, um poemário intituladoAzul ultramarino através da portuguesa Chiado Editora. Além da literatura, história e filosofia, as suas grandes paixões são artes marciais, um caminho que o levou a obter pela Real Federación Española de Judo e Deportes Asociados o título de Oficial de Organização Desportiva e de Faixa Preta Primeiro Dam em Wu Shu (Kung Fu).



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Acabou o concurso literário

  • Hoje dia 31 de Julho às 24:00 horas acaba o concurso literário convocado pelo blogue as-nossas-letras.blogspot.com
  • A Classificação final foi:
  • Uma história impossível de acreditar de A Sombra dum carvalho em terras do Alto Minho com 69 votos
  • Sonata de um adeus de Azaharys com 61 votos
  • Buraco de Rato de Fábio da Silva com 17 votos
  • 1701 de Fábio da Silva com 17 votos
  • Maria de Velhe de Dragão Verde com 9 votos
  • Marcial de Passarim de Búbalon com 4 votos 
  • O trompetista de Marcos Daseiras com 3 votos


Portanto o ganhador é

"UMA HISTÓRIA IMPOSSÍVEL DE ACREDITAR"  da autoria de "A Sombra de um carvalho em Terras do Alto Minho. com 69 Votos.

  • Com este pseudónimo apresentou o seu trabalho José Manuel Nunes Vilar natural do Concelho do Páramo na Comarca de Sárria (Região de Lugo)-Galiza
Em breve tomaremos contato com ele e acompanharemos a notícia com uma foto entregando o prémio ao afortunado.

Obrigado.

domingo, 3 de julho de 2011

Marcial de Passarim

Por Búbalon
Quando o Marcial teve notícia de que tinha de ir à guerra pensou que ia morrer irremediavelmente, pelo que pensou em deixar um  bom  recordo em  Passarim  para que todo o mundo soubesse quem era ele muitos anos mais  tarde. Não  se lhe  ocorreu outra cousa mais do que deixar sem teitos todas as casas da aldeia.  Telhados  de  colmo ou  de telha, tanto fazia, nem um ficou são.
    
 Elvira, a sua mulher, quando se inteirou de que o seu homem ia ir à guerra, disse:  “Que é a guerra?”. O seu pai, o papai Camilo, respondeu que era uma peleja a tiros na que morrem muitos homens, como foi a de Cuba.  Elvira, grávida de um mês sentiu-se desfalecer quando soube que não ia ver mais ao seu homem, e que iria ficar sem o seu apoio durante a gestação.  Tentou convencer ao seu Marcial para que não fosse a semelhante lugar. A quem se lhe ocorre ir buscar o mal pela mão?.  Mas quando soube que se não ia por própria vontade, a própria Guarda-Civil, que teoricamente é quem nos protege dos malvados, matá-lo-iam  por não querer ir. Quase toleia. “Mas não estão para nos ajudarem”? comentou sem acabar de perceber bem o assunto.
    
 Aquela noite houve que agarrá-la para evitar que impedisse a marcha do Marcial.  Ele tinha que estar às seis de manhã em Chantada, se não, viria a  Guarda-Civil buscá-lo. Mas pouco antes dispus-se para deixar os teitos nús.

Assim foi. Comeu e bebeu até a total fartura. Depois, oculto nas sombras da noite botou um par de horas a andar pelos telhados a quebrar o colmo das palhaças de Passarim e deitar as telhas das casas. “Hei de morrer, -disse- mas vão lembrar sempre o Marcial”.

Depois da falcatruada foi para a casa onde estava a Elvira chorando e berrando para convencê-lo de que não fosse, de que melhor poderia ser fugir ao monte. O Marcial não queria ser um perseguido e colheu o necessário para viajar a pé uns quantos quilómetros até a Comandância da Guarda-Civil de Chantada onde chegou sem dormir por volta das 6:00 da manhã.
    
 Em Chantada, Marcial foi recrutado e mandado para Marrocos onde esteve uns dias antes de voltar para a península onde também percorreu muitos lugares que não pensara nunca que existiam. Não percebia como podia haver gente em lugares sem árvores, chairos, onde a terra não dava nada em absoluto, onde o calor dava sede e não havia uma miserável fonte onde poder molhar os lábios. Sei-que lhe chamavam Castela, àquilo. Lembrava aquele nome porque gente da sua família tinha ido à sega àquele lugar tão desagradável.

Pela sua experiência com os animais, puseram-no com um cavalo para repartir a comida entre os soldados da força de choque que eram os que melhor podiam matar vermelhos, cousa que  também ele devia fazer. “Matar Vermelhos!?.  Como vou  matar vermelhos se eu nunca vi ninguém vermelho!. E como vou fazer isso se a mim nunca me fizeram mal!?” - Pensava Marcial -  “Eu sei que existem os  pretos ... em Cuba, e os mouros em África, que também são um bocado pretos... mas, Vermelhos?”.  Era o  pensamento  que  viajava pela sua cabeça embora não se atrevesse a perguntar porque aqueles militares que governavam a sua vida, bêbados, violentos, malfalados, putanheiros e que falavam espanhol, podiam dispor da sua vida e matá-lo como se fosse um animal da corte. Tinha muito claro que enquanto ele pudesse demorar o momento de topar-se com uma bala de caminho, melhor.
     
Levaram-no de cá para lá, viajando as vezes no carro do exercito, outras vezes a pé. Passou muitas batalhas e safou como pôde em cada uma delas.  Todos os dias os seus mandos falavam dos vermelhos e diz-que deviam ser muito ruins porque roubavam o ouro de Espanha,  matavam  os curas, eram ateus e queriam quebrar a unidade da pátria. 

Tal como o diziam, semelhava que todo aquilo devia ser grave.  Roubar o ouro de Espanha!?.  Isso não o ia consentir. Ele próprio tinha uma mó de ouro que lhe custou muito cara. Não ia consentir que nenhum vermelho lha roubasse...  Matar aos curas!? Pobre Padre Felisindo, o cura de Temes, que foi o que o ensinou a falar um pouco em espanhol e lhe dava figos quando era pequeno.  E isso da unidade de pátria  que é onde vives, onde trabalhas, onde tens a família??...  como ia consentir  ter  que  passar  uma fronteira entre Passarim e Ourense!. Depois dir-se-ia que ele era estrangeiro em Ourense!!!... E o de ateus?.  Deus me livre!.  Por todo isso os vermelhos não deviam ser muito bons. Seriam vermelhos porque o diabo também é vermelho e quiçá ... estejam emparentados.
     
Marcial seguia viajando. Conheceu lugares e batalhas como  Brunete,  o Ebro, etc, e conseguiu não fazer um só tiro contra ninguém. Nem contra os vermelhos, pois o Padre Felisindo sempre lhe tinha dito aquilo do “Não matarás” que era lei. Por certo! porquê matavam os seus mandos se eles eram os que diziam defender a religião?
 Isso foi um grande mistério que nunca chegou a compreender. Havia algo errado em tudo isto.

 Um dia de neve teve a obriga de levar comida entre os soldados da trincheira,  que depois de horas e horas metidos ali necessitavam repor energias para poderem com os vermelhos que estavam a poucos metros deles acejando e aguardando o momento para tirarem-lhe o ouro das mós ou pôr uma fronteira em qualquer lugar...Ainda que aquilo não lhe semelhava muito a “Espanha”. Diz-que lhe chamavam Teruel e como o Padre Felisindo dizia que a pátria é o lugar onde vives, onde trabalhas...Aquilo não devia ser Espanha porque era muito diferente a Passarim. Para Marcial a Espanha era verde, com muita água nos regos, leiras pinas cultivadas e tojos, carvalheiras, casas de pedra, rios e muito monte onde moravam os lobos e os javalis.

Marcial viu que lhe caia a noite acima e tentou procurar um lugar acolhido onde poder passar a noite.  Depois de percorrer o monte topou-se com uma cova à que se achegou. Parecia que havia alguém dentro pois uma cativa luminescência de fogo ardendo fez-lhe crer que haveria ali um pequeno grupo de companheiros também perdidos que se acolheriam naquela espelunca á espera da luz do dia.  Marcial seguiu-se achegando, e quando estava a poucos metros, alguém saiu da cova com uma arma na mão.  Marcial pensou.  E se era um vermelho?.

-         Alto aí - disse o homem - Achega-te com as mãos na cabeça e vai devagar - terminou em perfeito espanhol-

Marcial cheio de medo avançou, mas o homem não parecia um vermelho... um bocado louro sim, mas o que se diz vermelho, vermelho... não era. Mais do que vermelho...roxo. Sim, roxo, como era o próprio Marcial.

-         Passa dentro da cova.- ordenou -.

Marcial obedeceu e viu dentro da cova mais dous homens.
-         Como te chamas? - disse um deles lançando um cigarro longe com um hábil jogo de dedos -.
-         Marcial, Marcial de Passarim - contestou com medo-.
-         Que te leva por estes lugares? - perguntou outro -.
-      Pois, procurava um lugar onde dormir.  Vinha a noite e os meus estavam longe...- contestava enquanto o que o recebeu revistava as suas roupas vendo que estava desarmado -.
-         És galego, eh ? - respondeu o terceiro de forma afetuosa -.
-         Pois sim - contestou Marcial querendo responder afetuosamente também -.
-         Pois nos somos asturianos, e como podes ver somos o que vos chamades “vermelhos”.
           
Esta conclusão fez com que os três botassem a rir de primeiras, mas uma vez o Marcial se deu conta de que estava entre “inimigos” ficou frio, começou a suar e a lhe tremerem as pernas. Ainda assim reparou neles e comentou:

-         Mas, se vos sodes brancos como eu! - os republicanos asturianos botaram-se a rir compreensivos-.
-         Senta connosco - disse o do recebimento colhendo-o pelo ombro com afeto
-         Comiche algo? - continuou à vez que lhe passava uma tarteira com comida -.
    
 Marcial comeu e falou com aqueles “vermelhos” tão amáveis, perdendo o medo pouco a pouco,  passando o tempo rindo e contando-se as suas vidas.  Chamavam-se Xuacu, Lluisin e Valente. Sabia-o porque lho disseram no meio da conversa e eles mesmos lhe ensinaram que os seus nomes estavam escritos no peito das suas camisas bordados pelas suas namoradas, como mais tarde comentaram. Marcial não sabia ler, mas observou as letras do cosido da camisa com interesse.

Ele não sabia que os vermelhos eram pessoas com famílias, com esperança, humanos, como ele. Com eles descobriu que quem começara aquela absurda guerra não foram os que se creia, que tinha sido cousa da política. Isso veio confirmar-lhe a ideia de que o alcaide de Carvalhedo, ao qual pertence Passarim, nunca lhe parecera boa pessoa. Sempre detrás da gentinha para que o votassem. Para que pudesse continuar mandando neles e para se fazer rico enquanto em Passarim todo o mundo tinha de trabalhar as leiras para comer.

Marcial acreditou naqueles “vermelhos” e realmente não pensava que alguém que fosse o seu inimigo pudesse compartilhar com ele umas lentilhas, chouriço e vinho. Alguém tinha que ter-lhe mentido sobre muitas cousas. Aqueles asturianos republicanos não podiam ser maus, pensou, à vez que já cansados de falar e rir acabaram dormindo todos ao calor daquela fogueira acolhedora que os livrava do frio extremo do exterior.   

      De manhã, Marcial despediu-se dos seus amigos e marchou rumo do lugar onde ficaram os seus companheiros. Caminhou bastante tempo. Como umas duas horas até que por fim deu com eles.  Parecia que ninguém achara em falta Marcial. Algum, mesmo, lhe comentou com total indiferença que pensara que tinha morto às mãos dalguma patrulha republicana.  Todos viam todo do mais normal e Marcial não tinha pensado soltar nem um chio para não descobrir os seus amigos asturianos.  Todo voltou à normalidade.

Poucos dias depois,  Marcial  teve a ordem de repartir alimentos na frente onde aqueles dias se estava a levar  a  cabo uma forte ofensiva contra as posições inimigas.  Os tiros eram contínuos, as bombas estouravam continuamente e às vezes perto donde ele estava.  Os mortos  e os feridos cresciam de vez em vez e a cruz vermelha tinha trabalho extra.  Por duas vezes dous estoupidos caíram a poucos metros do Marcial ferindo a gente conhecida dele.  Um, após o impato, berrava sem uma perna, cheio de sangue escorregando pelo rosto, a roupa e as mãos; outro morto com gesto de medo e dor, e outro caíra após receber um troço de metralha no corpo para morrer, sem fala, dali a uns segundos alçando os  braços  para que o ajudassem.

Marcial aquele dia ficou terrivelmente fundido, deprimido e canso. Quando acabaram os combates e  já  pela noite, quando os seus companheiros riam, bebiam e cantavam ao redor do lume  celebrando  a “vitoria” contra as tropas republicanas que defenderam aquele lugar viu algo que o deixou frio e mudo.  Ele não queria saber nada de divertimentos com os companheiros até que tomando um pouco de café num lugar afastado do ruído que faziam os soldados,  viu  como  vários  falangistas traziam três corpos atados de pés e mãos a um pau como javalis ou veados vindos  de caçar.  Marcial alertado pensou que reconhecia aqueles corpos e botou a correr cara a eles.  Os camisas azuis riam e juravam contra aqueles mortos e Marcial a poucos metros deles ficou sem respiração. Nas suas camisas apareciam bordadas aquelas letras que ele não sabia ler, mas pôde reconhecer sem qualquer dúvida os bordados nas namoradas do Xuacu, do Lluisin e do Valente. Não se podiam reconhecer pelo rosto desfigurado pelas feridas, a deformação e o sangue. Aqueles eram os “vermelhos” tão amáveis que o ajudaram quando estava perdido. Eram os seus amigos. Marcial jurou para si próprio que ainda que o obrigassem não ia matar nunca ninguém por muito republicanos e vermelhos que fossem. Marcial botou muitos dias a chorar, mas também, felizmente, nunca ninguém aqueles dias lhe ia perguntar porque chorava. Todo era dor ao redor, para todos. Havia razões para não estarem felizes, mas ele também não ia responder com veracidade.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O trompetista

Por Marcos Daseiras
A noite apanhou o músico no caminho da verbena. Era o tocador da trombeta e uma orquestra sem trombeta é que não pode tocar. Os dançarinos que ainda conservavam as ânsias apesar da chuva, perderam-nas de vez, por obriga, quando o director, cantante e condutor do camião anunciou a ausência do elemento mais importante do conjunto:
- E os senhores hão de compreender que, sem trombeta, não podemos oferecer o nosso repertório mais aguardado. É por isso que demando do distinguido público o perdão.
Apesar de não haver baile, ao outro dia, o vereador de cultura e membro da comissão de festas não deu falado com qualquer músico que fosse. O dinheiro que pagaram já não haviam de recuperá-lo, pensou, enquanto encaminhava os passos para a reunião extraordinária da assembleia municipal, onde o único ponto da ordem do dia era a trapalhada em que se convertera o último dia das festas do patrão. Para além da verbena falida, a chuva que caíra desluzira o espectáculo de fogos artificiais que, como todos os anos, estava prevista para encerrar as celebrações. De feito, devera cair toda pela noite, porque o dia estar, estava frio, ora, amanhecera sem uma só nuvem. Vinha a dar-lhe voltas na cabeça ao informe que teria de apresentar perante os nove companheiros e dez companheiras que foram elegidos após as últimas eleições autárquicas, parecia-lhe estar a ouvir os berros do chefe da oposição a pedir-lhe a demissão, não, a exigir-lhe a renúncia ao cargo e a devolução das receitas que cobrara desde que se aprovara a concessão da dedicação exclusiva, esquecendo o tal chefe da oposição que tal aprovação acontecera quando ainda era a mão direita do presidente da câmara.
Sem dar por isso, houve um momento em que o vereador ergueu a olhada do tramo de chão que lhe ficava mesmo diante dos pés e viu, a atravessar o campo da feira, um forasteiro que reconheceu. Sim, era ele. Não podia ser outro. Não havia dúvidas. As nuvens da sua mente começaram a despejar-se, deixando um céu ainda mais azul que o exterior. Nem os berros imaginários do chefe da oposição foram quem a cobrir a ideia que se lhe formara no cérebro, já logo sem saber como, mal vira o trompetista da orquestra. Tinha de o ser, não apenas porque era a única solução, se finalmente tudo corria bem, aos problemas financeiros que xurdiam à sua frente como ainda porque a tal hora as classes de trombeta que dava um músico da terra num local das traseiras da igreja estavam suspendidas à espera da confirmação da homologação dos títulos pelo tribunal supremo de Galiza, aonde chegara o recurso apresentado pela Associação Provincial de Trompetistas Profissionais da Crunha, da que o professor fora expulso por ter aceitado tocar no casamento duma velha amiga, que fora noiva, em tempos, da presidenta perpétua da associação. Todo o mundo sabia disso, mesmo os moradores das freguesias mais afastadas da vila, pese embora a concentração potencialmente tóxica das emissões da chaminé da central combinada de energia nuclear e tratamento de resíduos urbanos que uma empresa americana montara no vale após cobrar uma subvenção do concelho para projectos respeitosos com o meio ambiente. Não podia ser que um vizinho qualquer estivesse àquelas horas a atravessar o campo da feira com uma trombeta, desafinada pela chuva da noite, na mão.
O vereador tinha de agir depressa. Não sabia o que o músico viera fazer ali, e quanto tempo iriam demorar as gestões que devia realizar. Talvez andasse o homem perdido, desorientado, a procurar pelos outros componentes da orquestra, que onde ia que escaparam agachados no interior do camião. Apenas o director e chofer tivera de enfrentar a ira dos frustrados dançadores, que expressaram a sua opinião, contrária à decisão tomada pelos músicos, pegando nos croios do solo do campo da feira, restos das recentes obras de remodelação, provavelmente desnecessárias ainda que mais bonita ficou, e atirando-os contra os vidros da cabina do condutor. O director da orquestra e motorista foi atingido na testa, e começou a sangrar generosamente, mas nem por isso calcou no pedal do freio, calcou no de aceleração, levando por diante um grupo de manifestantes que tratava de impedir a fugida dos traidores. Isto provocou ainda mais as iras dos atacantes, que perseguiram a viatura até mais alô dos antigos lameiros agora ocupados pelo polígono industrial, entre as naves propriamente industriais, as silvas e tojos que voltavam a invadir as parcelas não edificadas e o lixo que deixaram atrás uns ciganos (é verdade que os ciganos, antes de marchar, deixaram tudo bem arrumadinho e disposto para ser retirado e depositado no local ajeitado, mas ninguém viera recolhê-lo e disto havia séculos).
Os intentos desesperados dos membros da comissão de festas para acalmar os ânimos foram inúteis. O argumento da provável denúncia por agressão que os agredidos iam interpor nos julgados não podiam convencer umas massas formadas, os mais deles, por lambões vindos de fora do concelho. Era para se ver o cortejo dos sobreviventes, ao regressarem à vila depois da batalha, derrotados, para pegarem nas suas viaturas e regressarem à cidade. Regos de suor misturados às pingas da chuva e à lama nos rostos de cansaço e desilusão, voltavam enchoupados, enzoufados, enfoulados não, porque a festa do pão fora o domingo. Arrastavam as pernas, que não se davam afeito à súbita mudança de objectivos e mais de carácter, de bailarem a perseguirem, de perseguirem a retirarem-se. Porque a regedora da polícia municipal não era amiga de bória, que, a sê-lo, dava mesmo vontade de mandar os quatro agentes da força prenderem imediatamente os que voltavam da infrutífera perseguição do camião, não pelo quebranto às normas de boa conduta e convivência cidadãs, antes pelo contrário, por não terem sido quem a impedir a fugida da orquestra. Sim, o camião liscara. O director da orquestra e camionista tivera, ainda por riba, um gesto para com os derrotados e mais para com os membros da comissão de festas antes de abandonar o território da freguesia e do concelho: um toque prolongado da buzina seguido dum outro mais curto, a fazer troça dos que ficavam para trás. Mais longe, na vila, o eco da buzina chegou aos ouvidos dos membros da comissão de festas, que interpretaram a mensagem da buzina no sentido de confirmar as suspeitas que criaram quando a  algazarra começara. O director da orquestra tinha mentes de iniciar um processo quer judicial quer cível contra eles. Tal lhes quadrou a ação despesperada promovida pelo presidente da comissão, que também era, já o sabemos, o vereador de cultura da câmara municipal.
Voltando ao presente da narração, eis vemos o tal vereador a aproximar-se do trompetista. Para causar mais efeito, fê-lo a modinho e pelas costas, como a subministrar um remédio qualquer contra o soluço. Ter, não sei se dantes soluço teria, mas no tempo que o trompetista passou ao serviço da câmara municipal, não cessou, nem em público nem em privado, de sofrer uma ou outra contracção involuntária do diafragma. Tal passou a fazer parte do espectáculo, e sem dúvida contribuiu para o seu imediato sucesso, que mudou num sentido inesperado os planos iniciais do presidente da comissão. O início da relação foi, pois, um leve empurrão, acompanhado dum berro seco, que o político incutiu ao músico. Ainda sem repor o ritmo cardíaco nos valores regulares prévios ao susto, o desorientado trompetista teve de ouvir como aquele desconhecido lhe propunha um acordo sem pés nem cabeça, ao passo que lhe pedia para o acompanhar à casa do concelho como convidado estrela.
Ainda que não a previra, a sua entrada em cena afigurou-se-lhe espectacular ao vereador de cultura. Nos seus ouvidos, ressoava a música de cem trombetas. Os companheiros adornavam o caminho entre a porta do salão e a sua cadeira arrojando-lhe aos pés flores de todas as classes e de todas as cores, entre ruidosas salvas de palmas sem fim. Porém, longe disso, a única trombeta que soava era a do músico, desafinada, que, timidamente, entrara no salão de plenos atrás do satisfeito regedor. As salvas de palmas eram os protestos irados dos outros concelheiros e mais do presidente da câmara, que pronunciavam berros interrompidos, nalguns casos, por contracções diafragmáticas semelhantes às do músico, só que as consequências foram as opostas. Os concelheiros que não puderam repor-se em tempo, foram afastados das listas para as seguintes eleições autárquicas. Quanto ao manto de flores, poderia ser identificado como formado pelas carteiras, estradas pelo chão como se fosse uma aula de exame, nas que o de cultura, que continuava nas berças, tropeçou, indo cair debruçado contra o rebordo da mesa. Não vos conto a dor com que o homem teve de apresentar o seu plano inicial.
A relativa recomposição do cenário demorou-se uns minutos. O chefe da oposição foi o último a calar, já havia de ter tempo mais para a frente, prometeu-lhe o presidente da câmara, a pedir demissões a eito. Por enquanto, as olhadas de todos concentraram-se nos recém chegados. O presidente da câmara deu-lhe a palavra ao presidente da comissão, que explicasse a razão da demora, duma entrada tão irregular e mais da presença dum forasteiro na sessão.
- Estimados compatrícios: - discursou o presidente da Comissão, como se fosse um general romano de regresso das suas campanhas de depredação das províncias- o motivo da presença de tão descabida personagem em tribuna tão ilustre é recuperar o honor das festas da freguesia. Este trompetista tão aparentemente pouca cousa é-vos o melhor músico de todos os tempos e tenho em mente organizar para a outra semana uma nova jornada de festa onde ele, o músico, actuará como uma orquestra, cobrando apenas como um cientista em práticas na universidade.
- Todos os instrumentos?, foram perguntado os vereadores, um a um ou por parelhas.
- Todos- respondeu o de cultura, sem olhar para o rosto de espanto do desorientado trompetista, que teimava em fazer soar levemente a sua ferramenta de trabalho. O sucesso da convocatória estava assegurado porque não iam cobrar nada pela assistência. Mas também havia que tirar proveito:
- Podíamos era procurar um título atraente e montar uns furanchos. Que vos parece: a Festa do Chocolate de Coiro?- propôs um membro anónimo da corporação municipal.
- Aprovado, aprovado- aprovaram, ao uníssono, os concelheiros de todas as cores, mesmo os independentes.
- Eu só queria acrescentar uma cousa- interveio o chefe da oposição-, que é para ela figurar no diário de sessões: exijo a demissão...
- Do vereador de cultura- completou o secretário, que também foi o que convidou- Imos tomar-lhe umas taças à de Interrogante para celebrarmos o acordo.
Havedes de vos perguntar a razão por que o trompetista aceitou o futuro que lhe tracejaram? Foi sobretudo por causa da desorientação que lhe causara o abandono a que o botara a sua orquestra. Se quadra, também ajudou a oferta dum dos pisos que o presidente da comissão recebera como parte do pago por umas leiras que vendera à empresa da central combinada.
O dia chegou e a I Festa do Chocolate de Coiro foi um sucesso. Mesmo apareceu por ali uma equipa da televisão galega, que fez uma reportagem sobre ela apenas porque precisava de encher uns minutos da grelha de programação que a suspensão dum partido de futebol deixara livres. Foi esta reportagem que provocou o lançamento a nível nacional do famoso e tradicional chocolate preparado à moda de Coiro (isto é, com um debuxo do Cruzeiro de Ferro no envoltório) e o descobrimento dum novo valor da música galega, o homem – orquestra, que actuou mais de cem vezes no Luar.
Mas não há mal que dure cem anos e um dia, pela manhã ou pela noite, tanto tem, sem saber como, Coiro começou a fartar-se do homem – orquestra. Dali a pouco um pleno municipal decidiu suspender o contrato que ligava o trompetista, o qual iniciou a sua carreira em solitário, sem grande sucesso financeiro, porque o coitado herdou, graças ao labor, bem recompensado com as requalificações duns terrenos próximos da central combinada, duma das melhores equipas de advogadas da Cabra de Baixo, a dívida que o concelho tinha com a sua antiga orquestra. A central combinada livrara até aí os vizinhos da freguesia da febre construtora, mas era visto que também não há bom que dure sempre:
- Nós também queremos cobrar, e os que não quiseram, foram expropriados.
Quanto ao trompetista, longe já a fama doutrora, casou-se com a filha do professor de trombeta, uma pianista clássica pouco reconhecida, mas de grande talento. Após a reforma do sogro e pai, a parelha fez-se cargo da escola de música, propriedade da mesma companhia que manejava a central combinada. 

sábado, 25 de junho de 2011

Uma história impossível de acreditar

Por: A sombra do carvalho em terras do Alto Minho

Depois, quando a sociedade secreta
La Gaviota Negra” será descoberta.

Estava a lê-lo, mas não podia dar credo. Uma cousa assim só podia ser fantasia, pensou. Mas alguém teria suportado tantas dificuldades apenas por uma fição. Não. Aquilo era algo sério. Contudo, uma organização secreta, alta tecnologia e manipulação genética em humanos. Algo tinha de haver errado ou quando menos de exagerado. Reflexionou mais um bocadinho. Suspirou e guardou novamente os documentos na gaveta. Pegou o telemóvel e telefonou ao seu superior.

Antes, quando algumas vítimas que fugiram
organizavam um movimento de resistência

Numa rua de Vigo iniciara-se um tiroteio. As balas rompiam os vidros dos autos. As pessoas fugiam presas do pânico. Em breve foram ouvidas as campainhas e as luzes de cores dos carros da polícia, mas isso não dissuadia a nenhum dos bandos contendentes. Continuavam a disparar, a cruzar o fogo de pistolas e metralhadoras, mesmo alguma granada fazia voar nacos de asfalto que impatavam violentamente em todas as coordenadas. A polícia achava-se impotente perante um duelo dessas magnitudes. Aguardavam reforços.

Em meio de explosões, balas e destruição um dos atiradores movia-se dum modo inacreditável, cuma velocidade e destreza que nem o melhor dos guerreiros de todos os tempos poderia imitar. Parecia desafiar os limites da psicomotricidade humana. Disparava a alvo certo, pulava por acima dos autos destroçados pela metralha, derrubava aos adversários com pancadas e chutes acrobáticos.

- Miro, e momento de fugir – berrou-lhe alguém desde um Land Rover.

O herói subiu e também outros três atiradores. Um deles estava ferido. O pano branco que lhe envolvia o braço tingia-se de vermelho.

- Este será o nosso símbolo – disse Miro.
- Qual?
- O sangue das feridas daqueles que são silenciados a disparos, sobre o branco da paz, o branco de quem é sincero e justo.

Chegaram até uma cabana no meio dum bosque de eucaliptos. O ferido apoiou-se em Miro. Entraram dentro. Um deles ficou fora ocultando o Land Rover num pequeno alpendre perto da cabana. Sentaram ao ferido numa cadeira para limpar-lhe a ferida e intentar tirar-lhe o projétil. Miro olhava pela janela a meditar em voz alta.

- Temos de acabar com eles, descobri-los, mas para isso é necessário obter mais informação, mais informação da que lhe facilitamos a da Silva. Não sabemos nada. Merda! Henrique, como estás?
- Tou fodido, fodido, mas.. - disse entre berros – hei sair desta. Não foi para tanto.
- Lamento todo isto. Se pude-se saber algo, uma pista. Onde caralho têm o búnquer?
- Miro, a próxima vez lograremos capturar a um com vida e faremos que fale. Tens a minha palavra. -disse Inácio.
- Eu sei, meu amigo, eu sei. A próxima vez não falharemos.

O comissário reuniu aos seus agentes para falar do tiroteio. Não faziam ideia do que acontecia, quem disparava a quem. Suspeitavam que aquilo era cousa de máfias numa disputa por narcóticos. Se calhar guardava relação com os moços desaparecidos. Havia anos que muitas crianças e rapazes estavam a desaparecer sem deixar rastro.

Levaram ao laboratório mostras de sangue e pegadas digitais nalgumas armas. Intentavam identificar aos mortos. Os resultados de todas as pesquisas chegariam em poucos dias, mas não se conseguia identificar a ninguém. Não havia nenhum dado relacionado com os falecidos. É como se não existissem, não tivessem bilhete de identidade. Aquilo era algo do mais estranho. Desesperado, o comissário envia à zona a vários agentes de paisano para intentar tirar alguma informação que poda ser de ajuda, para ver se alguns dos implicados voltam ao cenário do tiroteio.

Enquanto a polícia dava paus de cego, o comando reunia-se em assembleia. Estavam decididos a pôr fim à Gaivota Preta. O melhor modo de fazê-lo era descobrir o segredo, mas antes tinham que averiguar onde se refugiam, onde têm oculto o búnquer. Necessitavam fazer-se com algum membro implicado ou relacionado com a organização. Esse era o objeto da assembleia. Deviam averiguar o modo de achar a alguém da Gaivota Preta. Sabiam que fazer correr o rumor de que contavam com informação clave não voltaria a funcionar para atrai-los, mas e se os convocassem a um encontro. Alguém sugeriu a ideia de pôr um anúncio no jornal.

- Ninguém sabe que existe algo com o nome ou o alcunho de “La Gaviota Negra”, não é? Bom, pois é simples. Só eles se darão por aludidos. Diremos algo assim como....

- Aguarda – Interrompe Inácio – E a polícia? Estarão atentos a qualquer cousa estranha. Se calhar não, mas é possível levantar suspeitas, que a Gaivota Preta veja isso como algo demasiado arriscado e considere oportuno não acudir.

- Mas podemos fazê-lo duma forma bem discreta e segura de modo em que eles também se sentirão livres das suspeitas policiacas. A ideia é pôr um anúncio que diga o seguinte: “Vende-se ave parecida a gaivota de cor preta, interessados ligar para” e aí colocar um número de móvel seguro que lhes permita ligar para nós. Eles ainda não sabem se temos ou não informação que os poda prejudicar e em qualquer caso querem liquidar-te a ti, Miro, e a todos nós. Acho que pode funcionar. Se alguém tem uma ideia melhor é o momento de comentá-la.

- Esta vez irei eu só – Disse Miro. - Não posso pôr-vos em perigo. Ademais, sei cuidar-me.
- Não, disso nem falar. Não te vamos deixar só perante o perigo.
- Falei. Irei sem reforços. É melhor desse jeito. Não insistais. Sei bem o que faço.
- Uma cousa. E aquelas pessoas que chamem interessadas no anúncio e que não têm nada a ver com todo isto? Poderia estragar a operação. Como é que sabemos que são os da Gaivota Preta? E como eles saberão que somos nós?
- Bom, tens razão. Pronto, eu sei. Tudo meditado. Não há lugar a problemas. Já está. Todo o que há que fazer é adicionar ao anúncio seis mil ou dez mil euros. Que se vende o pássaro por dez mil euros. É demasiado custoso como para que alguém se interesse por ele e não demasiado como chamar a atenção da polícia – Disse o Inácio.
- Daquela está falado, disse Miro.

La Gaviota Negra” conseguira capturar a da Silva

O jornalista percebeu que alguém o espreitava. Estugou o passo. Estava sozinho nas ruas escuras do bairro. A angústia instalara-se no seu peito. Apenas vinte minutos e estaria na moradia. Deteve-se. Olhou para todas as coordenadas sem avistar a ninguém. Tentou afinar a vista na escuridão não fosse haver qualquer ameaça agachada entre as sombras. Apenas um gato fomento acima de contentores de lixo. Ernesto da Silva continuou a sua marcha. É apenas a minha imaginação… Pensou. Mas a inquietação não o abandonava. Talvez fosse a pasta que portava um talismã que atrai o azar.
Lamentava não ter vindo de táxi à saída. As palavras do Inácio ressoavam na sua cabeça. - Chegas, pegas no documento, sais e apanhas um táxi. Direitinho para casa. Ok?. – Disse o amigo encurtando a distância, a zunir-lhe no ouvido. O licenciado já tinha superado encomendas perigosas. O que era diferente desta vez? Perguntou-se. Seriam capazes de matar?
Ao cruzar a ponte do Tâmega a noite fazia-se um bocado mais solitária. As ruas perdiam-se ao fundo entre o nevoeiro, e atrás ficava o acorde interrupto das correntes. Havia algo de poético naquela paisagem governada pelo frio invernal não sendo pela perturbação desse sexto sentido que os repórteres desenvolvem documentando guerras. Era a mesma sensação que experimentara em Iraque, mas não fazia sentido num lugar como Chaves. Fosse o que fosse aquilo não tinha fundamento – ou talvez sim. Aqueles documentos pesavam demasiado para serem simplesmente papéis.
Subitamente uma imagem solitária irrompeu ao longe. Alguém subia pela rua. Qualquer pessoa, um vizinho. Duas pessoas encurtavam distância cada vez mais como se lhe fossem perguntar qualquer cousa. Da Silva deslocou-se para o outro passeio. Os visitantes também o fizeram. Era claro. Eles procurá-lo-iam. Instintivamente deu volta e deitou a correr quando as inquietudes que o vieram acompanhando personificaram-se noutro acossador. Não tinha para onde fugir. Avançavam dum lado e doutro e ele no meio, impotente. Uma luz pobre duma taberna revelou-lhe uma saída, mas a dous passos da porta alguém o pegou do braço.- Espere. – Disse uma voz seca e autoritária. – Não percebe nada, verdade? Entre, vamos!- Os outros chegam a tempo de entrarem na taberna Machado. Pareciam doutra época. Igualmente vestidos cuma gabardina e um chapéu preto. Também vestiam luvas de coiro.- Quatro vinhos, por favor – Pediram enquanto um deles o fitou fixamente, desafiante.- Leva quê, nessa pasta?- Ao senhor não importa. – Ripostou Da Silva com decisão, ocultando o seu temor.- Aqui quem faz as perguntas sou eu! Está a perceber?
Da Silva sentiu um calafrio a lhe percorrer o corpo. Milheiros de pensamentos passavam pela cabeça. O estômago trabalhava como se estivesse a digerir uma pedra. Buscava qualquer solução a um conflito que parecia irresolúvel. Enquanto calculava as suas hipóteses sentiu o cano duma pistola nas costas. Um deles estava a apontá-lo discretamente.
- Nem o intente. Sei o que está a pensar. Se berrar mato-o. Agora beba. Atue com normalidade. Beba! – Disse aquele que empunhava a arma. Tiraram-lhe a pasta das mãos e verificaram o conteúdo. Apenas um olhar entre eles foi suficiente para se aperceberem. Eram os documentos que procuravam, documentos que nem sequer o jornalista tivera oportunidade de observar. O copo de tinto tremia nas mãos enquanto compartilhava balcão com flavienses unicamente intrigados pelas vestimentas próprias de três noviorquinos dos anos ’40. Fosse como fosse, o seu sequestro passava desapercebido. Da Silva só podia confiar em que o deixassem partir agora que já tinham aquilo que procuravam.- Quanto é? – Disse o primeiro deles.
- Quatro euros.- Fique com o troco.
- Obrigada.- Obrigados nós. Reservadamente, a safanões, expulsam-no. Caminham mais à frente até um recanto discreto, com pouca luz. Lá esperava uma viatura preta.
Antes, quando preparavam
a grande operação

Chegaram montes de informes de balística. Conseguira-se identificar algumas armas. Procediam de Colômbia, dum lote desaparecido num quartel militar de Bogotá. Também desapareceram explosivos, se calhar os mesmos explosivos que detonaram no tiroteio. Outras munições eram de fuzils M 16 de procedência desconhecida. Os investigadores da polícia começavam a baralhar diversas hipóteses que guardavam relação com o tráfico de armas. Revisavam todos os dados que guardavam a respeito de redes criminais de origem hispanoamericana. O comissário desesperava-se no seu despacho, rodeado dum monte de papeis. Nãos deixava de receber telefonemas. Todo o mundo exigia informação, mas aquele não era um caso fácil.

Uma voz autoritária disse – ¿Cómo es esa ave negra?
- Sabemos que sois da Gaivota Preta e vós sabeis quem somos nós- Respondera Miro. Alguém tinha telefonado em vistas do anúncio.
- Temos dados, informação que vos pode pôr em perigo. Apenas queremos dinheiro para iniciar uma nova vida, uma vida de liberdade. Merecemos uma indemnização pelo que nos fizestes. A informação pelo dinheiro. É simples.
- ¿Cuánto?
- Digamos que quarenta mil euros por cada um de nós.., trezentos, trezentos mil euros.
- Quedemos en..
- Na alameda, em Compostela, amanhã de manhã, às 12:00 a.m. onde a estátua das Marias.
- Bien. Ahí estaremos. No intenteis nada de lo que os podais lamentar.
A comunicação fechou-se. Funcionara, a iniciativa funcionara. Só restava preparar tudo.

Da Silva foi torturado

Estava sozinho numa pequena cela. Da Silva acordou lá. Não havia nada mais do que uma grande porta metálica. Intentou erguer-se, mas não puido. Estava sugeito a um cadeirão como os que se usam nas clínicas dentais. O único que lembrava era o interior do auto preto. Não tinha o telemóvel consigo. Estava incomunicado. Havia um cheiro a éter no ambiente. Todo eram móveis de metal cheios de recipientes e instrumental médico. Acima havia uns potentes focos de quirófano. Da Silva estava lá sequestrado e não havia nada que pudesse fazer. Resistia com todas as suas forças, mas inutilmente. Intentava forçar as ligaduras quando em breve sentiu passos e pouco depois falar. Abriram a porta metálica um homem com bata de médico e outros três de gravata. O doutor tinha rotulado no peito uma gaivota preta cum i maiúsculo como letra inicial da palavra “investigação”. Um deles, o mais maior, gordo, baixo e careca achegou-se a da Silva.

- Le vamos a hacer una serie de preguntas. Por su bien haga caso y responda a la verdad. Dum modo u otro va a hablar. ¿Para que sufrer inutilmente? Díganos lo que sabe y acabemos con esto.

Da Silva irrompeu – Mas, mas.., eu não sei nada. Só que devia ler os documentos que...

- ¡Empezamos mal. Responda unicamente a lo que se le pregunta! ¿Quién es? Dígame su nombre, apellidos, profesión. ¿Qué tiene que ver con todo esto?
- Ernesto, Ernesto da Silva Lopes, de Lugo, atualmente residente em Chaves por motivos de trabalho. Sou jornalista. Escrevo para alguns jornais e eventualmente trabalho na rádio. Eu não sei o que é tudo isto. Apenas recebi a pasta. Alguém me disse que devia tirar à luz algo mui importante.
- ¿Quién? Dígame.
- Nem sei. Ligou para mim de telemóvel. Combinamos três vezes. Na terceira deu-me a pasta que os senhores me tiraram. Inácio, seu nome é Inácio.
- ¿De qué conoce a Ignacio?
- Apenas disso. Já disse que eu não o conhecia.
- Es posible que estea mintiendo. ¿Cómo se que lo que me está diciendo es cierto?
- Juro-lho, de verdade, digo a verdade. Tem de acreditar em mim. Não minto, de verdade.
- ¿Qué debía hacer con eses documentos?
-Lê-los, em casa, com calma. Devia escrever um artigo ao respeito. Ainda nem tivera tempo de abrir a pasta. Seja o que for, eu não sei nada. Deixem-me marchar, não direi nada. Dou-lhe a minha palavra de honor.

O careca suspira. Faz uma pausa. Seguidamente diz ao homem da bata:

- Doctor, tengo que estar seguro de lo que dice. Inyéctele esto. Veamos si dice algo, si insiste en las mismas respuestas, si dice algo más.
- Não me parece que seja um criminoso?
- En serio, doctor, este hombre está implicado en algo de lo que usted no tiene ni idea. Cumpla con su trabajo.
- Não me obrigue a fazer isto. Eu fui contratado para investigar, não para interrogar a ninguém.
- Cumplirá con lo que se le ordena. Cumpla el contrato que firmó o de lo contrário ya sabe lo que le espera.
- Está bem, mas acho que este homem diz a verdade.

Antes, quando o capturaram
ao cientista

- Todos prontos? - Perguntou Miro.
- Prontos.
- É hora de eu ir ao encontro. Vós aguardais lá abaixo onde acordamos, ok? Isto é algo que hei de fazer eu só. Não podemos fracassar.

A equipa descera rua abaixo no Land Rover. Miro avançava caminho da alameda cum CD nas mãos. Lá aguardavam por volta de seis pessoas que desceram duma carrinha preta. Miro não vacilava, estava certo do que fazia.

- Ese CD. ¿Son los documentos?
- São – Disse Miro – E o dinheiro?
- Está en este maletín.

O homem encurtou distância e abriu a mala exibindo um sem fim de bilhetes.

- Dinero en efectivo. Ahora deame el CD.
- Está bem.
- Espera. No tan rápido. Primeiro verificaremos su contenido. Por cierto, como sabemos que no teneis más copias?
- Terás de fiar-te da minha palavra.

Um dos homens levou o CD à carrinha, mas em breve voltou.
-Tudo bem?
- Está todo bien. Ahora unicamente falta capturarte.

Inesperadamente todos tiram uma pistola, mas Miro já contava com isso. Dispararam contra ele e nenhuma bala o alcançava. Mais uma vez fazia gala das suas habilidades extraordiánrias. Ele também ocultava uma arma. Detrás das árvores respondia ao fogo inimigo com precisão. Era Ares em campo de pólvora, Zeus em ira desde o Olimpo, Breogám comandando aos seus homens cabo da Irlanda para vingar a morte do seu filho Ith, Thor contra os gigantes. Ninguém o podia deter. Logo matara a quatro e desde bem longe ao motorista da carrinha. Telefonou e em breve apareceu o Land Rover. Miro disse-lhes aos camaradas que na carrinha havia mais alguém, que havia que abri-la. Inácio acompanhou a Miro. A disparos rebentaram o feche das portas de atrás. Dentro havia um cientista cuma bata branca. Foi amordaçado e guiado até o Land Rover. A operação fora tudo um êxito.

Na cabana do bosque, numa habitação escura, atado a uma cadeira. A equipe interrogava ao prisioneiro.

- Onde está o búnquer? Contesta ou rompemos-te o pescoço. Responde!
- Eu não sei. Unicamente obedecia ordens. Devia aguardar na carrinha para sedar aos possíveis reféns.
- Quem és? Sabes o que de todo isto? Que nos fizestes? Para quê? Fala!
- Comecei quando apenas era um jovem recém doutorado. É um bom trabalho. Pagam bem, muito bem. Disponho dum laboratório de última geração, um sonho feito realidade para qualquer científico. Apenas investigo no que tenho de investigar. Até há pouco tempo não sabia o que acontecia na realidade, não me falam do que há nas outras estâncias do búnquer nem pergunto. Tudo aquilo é alto segredo. Trabalho para uma instituição segreda. E o que importa? Há agências de inteligência por todo o mundo que operam no mais estrito segredo. Um bom trabalho é um bom trabalho. Dizem-nos que as pessoas com as que experimentamos o DGH, o detonador genético humano, são presos perigosos, terroristas, violadores e assassinos, do pior da sociedade. Sei lá, cada vez que o penso parece-me impossível. Esses filhos da puta são.., têm ambições tão surrealistas que semelham tiradas dum cómic de Marvel.

Iniciáramos os estudos com todo tipo de esteróides, mas os resultados eram péssimos. Conseguíamos melhorar o rendimento atlético dos indivíduos e ainda assim aquilo era insuficiente, havia que ir mais longe e sem os estragos metabólicos que causam os anabolizantes. Achávamos que aquelas pesquisas estavam destinadas a alongar a esperança de vida do ser humano, mas a realidade é bem diferente. Esperavam do laboratório a fórmula do guerreiro perfeito. Eu disse, não é? Eu disse que parece mesmo algo próprio dum cómic, da ciência fição, mas.., aquilo foi. Vós sois o produto dessa investigação. Por acaso nãos percebeste que o teu corpo responde à atividade física dum modo sobrenatural.., hein?

Os anabolizantes não serviam, assim que fiz com que a equipa de investigação se centra-se na identificação dos genes responsáveis da força, velocidade, reflexos, intuição... Para isto era necessário ampliar indefinidamente o número de mostras genéticas. O senhor Sánchez dissera-me que não havia problema, que destinaria os recursos que fossem necessários. Fora ao seu despacho com vagas esperanças de conseguir o que os cientistas encomendávamos, mas ele respondeu afirmativamente. Fez buscar nas intermináveis bases de dados perfis de atletas e soldados extraordinários. Dum modo ou outro lograriam fazer-se com o material genético necessário.

- Falas como se fosses inocente?
- E sou. Este segrego, todos estes anos.., necessito liberar-me do seu peso. Eu não pretendia fazer mal a ninguém.

-Continua com o que estavas a dizer. Não tenho toda a vida para ouvir-te.

-Comecei a suspeitar quando me disseram que tinha de ir a uma cela visitar a um preso. Não é habitual que nos convidem a visitar aos reclusos. Eles estão no andar inferior ao qual os cientistas não temos acesso. Enfim, acompanhei ao oficial até onde ele me indicou. O elevador abriu a um corredor escuro flanqueado de portas numeradas. Caminhamos quase até o fundo, até uma porta diferente que tinha rotulado “interrogatórios”. Lá aguardavam outros dous oficiais e o senhor Sánchez, quem me disse que devia estimular a um preso a confessar. Como? Perguntei. Sánchez mirou para os seus sapatos e depois para os meus olhos. Como seja necessário. Use drogas, o que for. Respondeu. Neguei-me, mas não tinha alternativa. Assinara um contrato no que se me exigia manter em absoluto silêncio todas as atividades desenvolvidas no laboratório. Devia obedecer as ordens sem questioná-las. Caso não cumprisse o contrato, seria encarcerado.

- Como pudeste assinar um contrato assim?

- Era muito dinheiro e nem imaginava que se pudesse dar uma situação como essa. Necessito esse dinheiro. Não acreditava que estivesse a fazer algo mau. Não estamos na Alemanha nazista. Naquele momento intentei forçar uma ética que me permitisse seguir para a frente. Insistiam em que era um criminal mui perigoso que capturaram havia escassas horas e que resultava imprescindível tirar-lhe certa informação pelo bem de muitos. Que quer que fizesse? Se não o fazia eu outro se prestaria ao trato.

- E esse senhor Sánchez é quem?

- Sánchez é o meu superior, quem assina os meus cheques e a quem tenho de entregar-lhe as memórias dos estudos realizados no laboratório. Acho que se chama Mariano, Mariano Sánchez Pozo, sim, isso é, Mariano Sánchez Pozo.

- Que mais? Onde mora? Onde podemos encontrá-lo?

Nem sei. Não se nos permite saber dos nossos subordinados e superiores mais que o estritamente necessário. Só sei que é um homem baixo, mui gordo, cuma grande papada e pança. É careca salvo pelos poucos cabelos que lhe aninham detrás das orelhas. Sempre viste igual, viste de gravata, em preto. Ah, sim, também usa lentes quando tem de ler algum documento e sempre, sempre fala castelhano.

- Está bem. Vamos a cobrir-te a cabeça com o mesmo saco com o que te trouxemos e levar-te à cidade, às portas da polícia com toda esta informação, informação para descobrir à Gaivota Preta. É hora de que assumas a responsabilidade dos teus factos. A polícia ocupará-se de ti.

- Inácio, gravaste tudo?
- Gravei. Agora mesmo me ponho a transcrevê-lo.
- Liga para da Silva para combinar com ele e entregar-lhe o material.

Finalmente, quando “La Gaviota Negra”
foi descoberta.

O comissário recebeu um envelope. Vinha acompanhando a um homem com as mãos atadas ás costas, um homem que alguém deixou nas escadas à entrada da comissaria. Parecia que tudo começava a ter sentido. A sociedade segreda “La Gaviota Negra”.

Estava a lê-lo, mas não podia dar credo. Uma cousa assim só podia ser fantasia, pensou. Mas alguém teria suportado tantas dificuldades apenas por uma fição. Não. Aquilo era algo sério. Contudo, uma organização secreta, alta tecnologia e manipulação genética em humanos. Algo tinha de haver errado ou quando menos de exagerado. Reflexionou mais um bocadinho. Suspirou e guardou novamente os documentos na gaveta. Pegou o telemóvel e telefonou ao seu superior.